É essa a concepção de currículo do especialista no assunto Barry McGaw, ex-membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e um dos criadores do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), prova aplicada a cada três anos que fornece dados sobre os sistemas educacionais de 65 países.
Hoje, McGaw se dedica à discussão do currículo australiano. De acordo com o especialista, conforme as diretrizes são implementadas, a Austrália vai precisar de programas de desenvolvimento profissional para os professores.
O país também aumentou a carga horária de matemática nos anos iniciais da escolaridade, observando as boas experiências de países como Finlândia e Cingapura, e também deve colocar na grade mais conteúdos de ciências e história.
McGaw esteve no Brasil há um mês, em evento da Fundação Itaú Social, justamente no momento em que o Ministério de Educação (MEC) discute a implementação de uma base curricular comum no País. Abaixo, leia trechos da entrevista que ele deu ao Estado.
Estado: Que benefícios a criação do Pisa trouxe à educação, numa perspectiva global?
Barry McGaw: Ele nos deu uma discussão muito mais informada dos sistemas de educação nacionais, bem como das comparações entre os países. A evidência que ele nos deu de que alguns países alcançaram altos níveis de qualidade e de equidade simultaneamente tem sido muito influente na discussão da reforma educacional da Austrália.
Em que pontos o Pisa precisa melhorar?
O Pisa está adicionando novos domínios. Nós testamos a resolução de problemas na segunda edição da prova, em 2003. A colaboração na resolução deles está sendo considerada para o Pisa 2015.
Estado: Quais são os pontos fortes e os fracos do teste?
Barry McGaw: Os testes do Pisa avaliam a capacidade de os estudantes usarem o que aprenderam, e não simplesmente se eles aprenderam alguma coisa. Essa é a grande força da avaliação. Seria bom se tivéssemos mais perguntas abertas e menos questões de múltipla escolha. Os funcionários técnicos geralmente querem isso também, mas os funcionários responsáveis pelo orçamento querem mais itens de múltipla escolha, porque que isso mantém baixos os custos da prova. No final, o Pisa acaba sendo um equilíbrio saudável dessas duas considerações.
Estado: É possível incluir outros países na avaliação?
Barry McGaw: O Pisa começou como um programa para os então 29 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas, mesmo na primeira edição do Pisa, em 2000, havia países de fora da OCDE, além de um grupo que utilizou os testes mais ou menos um ano mais tarde, o que chamamos Pisa Plus. Portanto, havia 42 países na primeira edição da avaliação se incluirmos o Pisa Plus. No Pisa 2009, acho que foram 57. Não sei quantos deverão ser incluídos no Pisa 2012.
Estado: O Brasil foi um dos países com o maior avanço no ranking do último Pisa. No entanto, continuamos nas últimas posições. Como resolver isso?
Barry McGaw: Eu acho que a melhoria do Brasil é muito encorajadora. Não é apenas rankings que você deve olhar. Você deve observar como seus alunos melhoram nas habilidades que as escalas do exame medem. Se os outros países também melhorarem, sua posição no ranking pode não mudar muito, mas você ainda estaria melhorando.
Estado: Avaliações nos dão um bom diagnóstico dos sistemas educacionais, mas nem sempre revelam a realidade de dentro da escola – especialmente em países com graves desigualdades sociais, como é o caso no Brasil. É justo comparar escolas em condições tão diferentes? Os resultados dos testes – como o Pisa – não escondem essas disparidades? Como lidar com isso?
Barry McGaw: Há maneiras de fazer comparações justas entre as escolas. Na Austrália, no site My School, comparamos as escolas diretamente, mas apenas com outras escolas que tenham alunos semelhantes. Existem diferenças marcantes entre as escolas quando elas são comparadas dessa forma, e as escolas com os desempenhos mais baixos não podem dizer que esse é o resultado dos alunos com os quais elas lidam, porque os outros colégios da comparação têm alunos semelhantes. Também publicamos os fundos que cada escola tem para gastar com os alunos. Divulgamos essa informação pela primeira vez neste ano e ela está proporcionando um embasamento melhor para a discussão sobre os níveis de recursos financeiros para as escolas do governo.
Estado: Quais os países que o sr. destacaria como referência educacional?
Barry McGaw: A Finlândia é um nação em que muitas pessoas estão interessadas, mas é difícil vê-la como um modelo específico para o Brasil. Ela é pequena. Tem um corpo docente muito bem visto e muito qualificado. É, por exemplo, mais difícil de entrar num curso de formação de professores que no curso de Medicina na Finlândia. Já o rápido desenvolvimento dos países da Ásia oriental valeria a pena considerar. Cerca de quatro décadas atrás, eles tinham níveis de desenvolvimento semelhantes aos dos países da América do Sul, mas eles evoluíram muito rapidamente. Um dos fatores que levou a isso foi o grande valor que as populações dessas nações dão à educação. Em casos como o de Cingapura e, em certa medida, o da Coreia do Sul, isso ocorreu porque eles reconheceram que seu povo era o seu melhor recurso. Ao contrário da Austrália, eles não têm grandes quantidades de minerais que poderiam cavar e vender não transformados.
Estado: Quais as melhores e as piores características desses sistemas?
Barry McGaw: O ponto positivo é o alto valor que eles dão à educação, mas isso pode levar a uma pressão desproporcional sobre as crianças, por meio de um sistema altamente competitivo, com muitas delas passando horas excessivas fora da escola em aulas adicionais. A Finlândia se destaca pelo fato de que seus estudantes passam menos tempo na escola, não ingressam antes dos 7 anos e não gastam tantas horas na escola a cada ano. E os sistema finlandês vai muito bem assim. É claramente muito eficiente na realização dos seus ótimos resultados.
Estado: O que o sr. pensa de sistemas competitivos como o da Coreia do Sul?
Barry McGaw: Acho que o sistema coloca muita pressão sobre os alunos. Uma vez perguntei, em uma conferência na Correia do Sul, se eles achavam que eles estavam negando a infância a seus filhos. Uma boa parte dos participantes sul-coreanos tinha as mesmas preocupações.
Estado: O que é um bom currículo?
Barry McGaw: Aquele que estabelece claramente o que os alunos têm direito a aprender, mas que não é demasiado prescritivo sobre como a aprendizagem dos alunos deve ser organizada. Isso deve ser deixado para os professores e as escolas, a menos que não estejam suficientemente bem preparados para isso.
Estado: Na sua opinião, como o currículo deve ser construído?
Barry McGaw: O processo exige equipes de especialistas, mas exigem também amplas consultas sobre as primeiras versões do currículo.
Estado: O sr. é a favor de que os países tenham currículo único?
Barry McGaw: Isso depende do quão grande e diversificado é o país. Mas sou a favor de um currículo único para a Austrália, que tem apenas 23 milhões de pessoas. Na década de 1970, tivemos um movimento baseado nas escolas para permitir a variação no currículo, para refletir características locais. Um dos resultados foi que, para as crianças que residiam em regiões onde a classe trabalhadora morava, foi oferecido, por professores de classe média, um currículo menos exigente. Eles achavam que isso era bom para aquelas crianças – mas certamente não para seus filhos, que estavam seguros em escolas de classe média, com altas expectativas de aprendizagem.
Estado: Com um currículo único, como fica a autonomia da escola?
Barry McGaw: A maneira de dar às escolas autonomia é desenvolver um currículo que estabeleça “direitos de aprendizagem” para os estudantes (conhecimentos, compreensão e habilidades que todos devem ter a oportunidade de desenvolver), mas sem especificar como a aprendizagem deles deve ser organizada.
Estado: Quais são os principais fatores por trás de um bom sistema educativo?
Barry McGaw: A qualidade da aprendizagem dos alunos é o critério mais óbvio. Equidade é outra. Não podemos esperar – nem devemos desejar – que todos os alunos sejam iguais. O que podemos fazer é reduzir o impacto das diferenças das origens sociais dos alunos nas diferenças da qualidade da aprendizagem deles. No Pisa, temos visto alguns países – com Finlândia e Coreia – fazerem isso e obterem médias altas.
Fonte: Portal Aprendiz